Dreamless Roar
Monday, November 03, 2008
Ett drömspel
Se gostasses, havendo oportunidade, poderíamos partilhar um tempo, um café. Não sei porquê, mas gostava que fosse ao pé do mar.
Friday, November 30, 2007
Tuesday, September 04, 2007
Friday, June 15, 2007
Sequeira Costa, Chopin, e a dança
O pianista português Sequeira Costa, numa das masterclasses que costuma leccionar em Portugal (reside há mais de 30 anos nos Estados Unidos), relatou a sua insatisfação de muitos anos com o estudo op25 nº4, de Chopin. “Insatisfação”, neste contexto, significa que o mestre estava insatisfeito artisticamente, uma vez que as dificuldades técnicas estavam há muito ultrapassadas. Os estudos de Chopin são uma das peças centrais do repertório pianístico, quando não de todo o romantismo, e a sua complexidade técnica é apenas superada pela beleza da sua concepção artística. O mestre, discípulo de Vianna da Motta, que por sua vez foi o último discípulo de Liszt, dizia daquele estudo que lhe faltava ainda qualquer coisa que o tornasse belo, que lhe desse o sentido profundo da arte que distingue as grandes interpretações das vulgares. Contou então que um dia, em Paris, assistiu a um bailado, onde uma das peças dançadas era justamente aquele estudo. Para seu espanto, seguiu atentamente os passos de uma bailarina, e perante o movimento sincopado do corpo da bailarina fez‑se então luz: “aí percebi!”. Depois de ver a peça dançada, compreendeu‑lhe um sentido, e pôde então avançar para o trabalho de realização de (mais uma) interpretação notável.
Como músico amador mas sério, durante muitos anos o esforço de aprendizagem no meu instrumento (o piano), foi evoluíndo naturalmente da aprendizagem da técnica para a compreensão artística das obras que modestamente fui capaz de abordar. A minha maturação artística, para além do trabalho prolongado, persistente, e paciente com a minha professora Helena Mello, incluiu também algumas (raras) oportunidades notáveis de presenciar as lições do mestre. Tudo isto até aos 35 anos, quando na minha vida surge a dança, como vinda do nada. A princípio, para quem antes se escondia das valsas nos casamentos, para quem se achava desajeitado, a sensação curiosa do ser possível. Aos poucos, à medida que o trabalho da dança com a professora Mercedes Prieto e a teimosia em dormir mal para participar nos bailes se iam entranhando no meu corpo, emergiu em mim uma lucidez ainda mais espantosa: dançar era apenas natural, bastava ouvir e usar o corpo como um novo instrumento. A técnica evoluia, a libertação surgia. Dançava através dos ouvidos.
Aos poucos, a minha personalidade dançante acaba por se (me) revelar como tendo vida própria na surpresa dos seus gostos, num perfil tão heterogéneo como distante da minha formação em música clássica. Afinal, grande distância parece separar a mazurka embaladora da muiñeira vigorosa, passando pela bela e enigmática valsa de oito tempos... Para além destes três géneros favoritos, vivo a riqueza imensa da variedade de danças de diferentes culturas, e a alegria de encontrar prazeres semelhantes em outras pessoas em toda esta descoberta.
E finalmente, o recompensa onde menos se esperaria: pude, numa escala minúscula em comparação com o mundo do mestre, encontrar novos caminhos e sentidos em algumas interpretações de obras do piano, tendo modesta mas verdadeiramente evoluído artisticamente.
Como músico amador mas sério, durante muitos anos o esforço de aprendizagem no meu instrumento (o piano), foi evoluíndo naturalmente da aprendizagem da técnica para a compreensão artística das obras que modestamente fui capaz de abordar. A minha maturação artística, para além do trabalho prolongado, persistente, e paciente com a minha professora Helena Mello, incluiu também algumas (raras) oportunidades notáveis de presenciar as lições do mestre. Tudo isto até aos 35 anos, quando na minha vida surge a dança, como vinda do nada. A princípio, para quem antes se escondia das valsas nos casamentos, para quem se achava desajeitado, a sensação curiosa do ser possível. Aos poucos, à medida que o trabalho da dança com a professora Mercedes Prieto e a teimosia em dormir mal para participar nos bailes se iam entranhando no meu corpo, emergiu em mim uma lucidez ainda mais espantosa: dançar era apenas natural, bastava ouvir e usar o corpo como um novo instrumento. A técnica evoluia, a libertação surgia. Dançava através dos ouvidos.
Aos poucos, a minha personalidade dançante acaba por se (me) revelar como tendo vida própria na surpresa dos seus gostos, num perfil tão heterogéneo como distante da minha formação em música clássica. Afinal, grande distância parece separar a mazurka embaladora da muiñeira vigorosa, passando pela bela e enigmática valsa de oito tempos... Para além destes três géneros favoritos, vivo a riqueza imensa da variedade de danças de diferentes culturas, e a alegria de encontrar prazeres semelhantes em outras pessoas em toda esta descoberta.
E finalmente, o recompensa onde menos se esperaria: pude, numa escala minúscula em comparação com o mundo do mestre, encontrar novos caminhos e sentidos em algumas interpretações de obras do piano, tendo modesta mas verdadeiramente evoluído artisticamente.
Monday, June 04, 2007
necrofilia
Não gosto deste cheiro. Não é o meu, não vem da minha casa, mas
aqui está. Não estiveste aqui, mas ele aqui está. Sai da minha
respiração, do resto de ti que carrego em mim.
Parecíamos um, somos dois. Vinhas de trás, falas a minha língua,
e não nos entendemos. Abres a porta, acendes a luz forte, mas
nem tudo em ti é esperança. Tão depressa sonhamos durante
o ainda com o que há-de vir, como caímos no vazio no logo a seguir.
E nem o sopro de magia me puxa para o sol que desejo.
aqui está. Não estiveste aqui, mas ele aqui está. Sai da minha
respiração, do resto de ti que carrego em mim.
Parecíamos um, somos dois. Vinhas de trás, falas a minha língua,
e não nos entendemos. Abres a porta, acendes a luz forte, mas
nem tudo em ti é esperança. Tão depressa sonhamos durante
o ainda com o que há-de vir, como caímos no vazio no logo a seguir.
E nem o sopro de magia me puxa para o sol que desejo.
Friday, January 26, 2007
não entres tão depressa nessa noite escura
Como quem apanha uma doença, pediste-me em tempos. E eu tinha acabado de ler o teu Esplendor, e sim, doente tinha ficado, prostrado pela realidade nua dos novos amigos que me tinhas trazido. Tinha-te acompanhado as inquietações já desde os meus dezoito anos, entrando na tua noite escura antes ainda de se fazer dia na minha caminhada.
Entretanto, à medida que me ias apresentando a tua gente em cenários de inferno, tudo me foi acontecendo. Hospitais, guerra, as casas de benfica, a casa da irmã do meu avô
(do teu?)
em Campo de Ourique, numa rua onde as janelas anunciavam o fim com quadradinhos brancos de papel. Enquanto isso, conheci os infinitos, os possíveis e os impossíveis. Aprendi a inércia, o amor, e a ausência. Deixei que os nossos amigos da arte efémera me falassem de mim através dos séculos na geometria dos sons. E tu descobriste, para além das tuas preocupações estilísticas com o trabalhar do tempo, que o segredo do eco da tua voz na minha cabeça estava mesmo no jogo de sons. E foi com gosto que te vi jogar contraponto a três vozes como uma invenção do mestre. Mesmo muito antes, quando tacteavas ainda o escuro da tua memória futura, já sem querer puseste os danados em cenas estanques marcadas a compasso
(lembras-te?)
por um bombo invisível da orquestra por formar. Mas o que mais gosto nesta tua gente é mesmo o que eles me mostraram de humanidade na sua mais pura banalidade. As marquises de Odivelas vistas de dentro ao pé da máquina de lavar, ou o elevador do prédio de Almada envolto em bruma de timidez social. O passar dos dias como visto pelos olhos de quem nunca vira qualquer luz nem forças tinha para sequer o vir a sonhar.
E nós, porque crescemos em terreno lavrado pelas ideias,
(disfarçado de altanaria)
perdemo-nos nos sons, nas letras, nas impressões, por esta hora sabendo já que o melhor que podemos ter é a surpresa desta mão invisível que nos é dada sem esperança, pensando que estamos sós quando descobrimos que a noite começa a cair.
Larguei-te logo depois de me levantar e caminhar, ou se calhar foi ao contrário, e foi essa febre que me fez querer viver. E agora é tempo de voltar a ti.
Como quem apanha uma doença.
Entretanto, à medida que me ias apresentando a tua gente em cenários de inferno, tudo me foi acontecendo. Hospitais, guerra, as casas de benfica, a casa da irmã do meu avô
(do teu?)
em Campo de Ourique, numa rua onde as janelas anunciavam o fim com quadradinhos brancos de papel. Enquanto isso, conheci os infinitos, os possíveis e os impossíveis. Aprendi a inércia, o amor, e a ausência. Deixei que os nossos amigos da arte efémera me falassem de mim através dos séculos na geometria dos sons. E tu descobriste, para além das tuas preocupações estilísticas com o trabalhar do tempo, que o segredo do eco da tua voz na minha cabeça estava mesmo no jogo de sons. E foi com gosto que te vi jogar contraponto a três vozes como uma invenção do mestre. Mesmo muito antes, quando tacteavas ainda o escuro da tua memória futura, já sem querer puseste os danados em cenas estanques marcadas a compasso
(lembras-te?)
por um bombo invisível da orquestra por formar. Mas o que mais gosto nesta tua gente é mesmo o que eles me mostraram de humanidade na sua mais pura banalidade. As marquises de Odivelas vistas de dentro ao pé da máquina de lavar, ou o elevador do prédio de Almada envolto em bruma de timidez social. O passar dos dias como visto pelos olhos de quem nunca vira qualquer luz nem forças tinha para sequer o vir a sonhar.
E nós, porque crescemos em terreno lavrado pelas ideias,
(disfarçado de altanaria)
perdemo-nos nos sons, nas letras, nas impressões, por esta hora sabendo já que o melhor que podemos ter é a surpresa desta mão invisível que nos é dada sem esperança, pensando que estamos sós quando descobrimos que a noite começa a cair.
Larguei-te logo depois de me levantar e caminhar, ou se calhar foi ao contrário, e foi essa febre que me fez querer viver. E agora é tempo de voltar a ti.
Como quem apanha uma doença.