Friday, June 15, 2007

Sequeira Costa, Chopin, e a dança

O pianista português Sequeira Costa, numa das masterclasses que costuma leccionar em Portugal (reside há mais de 30 anos nos Estados Unidos), relatou a sua insatisfação de muitos anos com o estudo op25 nº4, de Chopin. “Insatisfação”, neste contexto, significa que o mestre estava insatisfeito artisticamente, uma vez que as dificuldades técnicas estavam há muito ultrapassadas. Os estudos de Chopin são uma das peças centrais do repertório pianístico, quando não de todo o romantismo, e a sua complexidade técnica é apenas superada pela beleza da sua concepção artística. O mestre, discípulo de Vianna da Motta, que por sua vez foi o último discípulo de Liszt, dizia daquele estudo que lhe faltava ainda qualquer coisa que o tornasse belo, que lhe desse o sentido profundo da arte que distingue as grandes interpretações das vulgares. Contou então que um dia, em Paris, assistiu a um bailado, onde uma das peças dançadas era justamente aquele estudo. Para seu espanto, seguiu atentamente os passos de uma bailarina, e perante o movimento sincopado do corpo da bailarina fez‑se então luz: “aí percebi!”. Depois de ver a peça dançada, compreendeu‑lhe um sentido, e pôde então avançar para o trabalho de realização de (mais uma) interpretação notável.

Como músico amador mas sério, durante muitos anos o esforço de aprendizagem no meu instrumento (o piano), foi evoluíndo naturalmente da aprendizagem da técnica para a compreensão artística das obras que modestamente fui capaz de abordar. A minha maturação artística, para além do trabalho prolongado, persistente, e paciente com a minha professora Helena Mello, incluiu também algumas (raras) oportunidades notáveis de presenciar as lições do mestre. Tudo isto até aos 35 anos, quando na minha vida surge a dança, como vinda do nada. A princípio, para quem antes se escondia das valsas nos casamentos, para quem se achava desajeitado, a sensação curiosa do ser possível. Aos poucos, à medida que o trabalho da dança com a professora Mercedes Prieto e a teimosia em dormir mal para participar nos bailes se iam entranhando no meu corpo, emergiu em mim uma lucidez ainda mais espantosa: dançar era apenas natural, bastava ouvir e usar o corpo como um novo instrumento. A técnica evoluia, a libertação surgia. Dançava através dos ouvidos.
Aos poucos, a minha personalidade dançante acaba por se (me) revelar como tendo vida própria na surpresa dos seus gostos, num perfil tão heterogéneo como distante da minha formação em música clássica. Afinal, grande distância parece separar a mazurka embaladora da muiñeira vigorosa, passando pela bela e enigmática valsa de oito tempos... Para além destes três géneros favoritos, vivo a riqueza imensa da variedade de danças de diferentes culturas, e a alegria de encontrar prazeres semelhantes em outras pessoas em toda esta descoberta.

E finalmente, o recompensa onde menos se esperaria: pude, numa escala minúscula em comparação com o mundo do mestre, encontrar novos caminhos e sentidos em algumas interpretações de obras do piano, tendo modesta mas verdadeiramente evoluído artisticamente.